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O novo super-poder | Caique Pegurier
O novo super-poder | Caique Pegurier
TALKS
Entre julho e outubro deste ano, liderei o desenho inicial de uma nova graduação de tecnologia. Como primeiro passo, decidi falar com diversos profissionais, professores e estudantes para ouvir como um curso de ciência da computação do futuro deveria ser. Foram dezenas de conversas, durante o mês de julho, que resultaram em insights incríveis.
Em uma destas conversas, certamente uma das mais ricas, falei com um ex-mentorado meu da Fundação Estudar, PhD em Inteligência Artificial pela Universidade Carnegie Mellon e há 2 anos trabalhando no time de desenvolvimento avançado de IA de uma das maiores empresas de tecnologia do planeta.
Como ele já vinha usando há vários meses o GPT-4 no seu dia a dia de desenvolvedor, perguntei quais os principais impactos do uso desta ferramenta no seu trabalho. Ele listou dois grandes impactos.
Primeiro, disse que não usava mais o Google como buscador —até aí, nada muito surpreendente.
Segundo, constatou que o uso desta ferramenta tinha aumentado sua produtividade como desenvolvedor.
Perguntei, então, em quanto ele estimava este ganho de produtividade. Como estava falando com um programador super avançado, pensei comigo que o ganho deveria ser entre 50% e 100%, no máximo. No entanto, ele disse que sua produtividade tinha sido multiplicada por 3 a 4, por baixo. Fiquei chocado!
Pare para pensar… Se um profissional super bem qualificado, muito avançado, tem sua produtividade como programador multiplicada 3 a 4 vezes, qual então deve ser o impacto do uso do GPT-4 em outros profissionais menos qualificados?!
Em outra conversa riquíssima, desta vez com um amigo de longa data que passou por empresas digitais, startups e hoje atua como investidor Venture Capital, a surpresa foi outra.
No meio do papo, falando de como estes modelos de IA impactariam o mundo dos negócios e sua estratégia de investimentos em empresas de tecnologia daqui para frente, ele contou que tinha desenvolvido um aplicativo para iOS em um final de semana — repito, um final de semana.
Ele se formou em engenharia, mas não programava desde a faculdade e, do nada, em um final de semana, tinha desenvolvido um aplicativo para iPhones, sem escrever uma linha de código sequer.
Aposto que se ele fizer isto de novo, usará uma fração do tempo para um desenvolvimento de complexidade semelhante. Ele tinha usado uma combinação (que passei a chamar de trinômio) do GPT-4, isto é, um LLM (Large Language Model), um repositório de código (no caso dele, usou o GitHub) e uma ferramenta de compilação.
Registrando estas conversas em um Google Docs, me lembrei de uma história que fez com que caísse uma ficha do tamanho do Maracanã na minha cabeça.
Em fevereiro de 1996 e maio de 1997, o grão-mestre enxadrista Garry Kasparov enfrentou o Deep Blue, poderoso computador desenvolvido pela IBM com a missão de vencer um humano no jogo de xadrez.
O russo venceu o primeiro embate por 4 x 2, mas perdeu o segundo por 3 + ½ x 2 + ½. É claro que o fato ficou marcado na história, pois foi a primeira vez que uma máquina “inteligente” venceu um humano extraordinário em um jogo complexo e dinâmico como o xadrez.
Mas não foi a vitória da máquina sobre o humano que fez com que a ficha caísse para mim…
Ao invés de reagir negativamente à derrota, vendo o fim do jogo a que tinha dedicado sua vida, prevendo um futuro de dominância da máquina sobre os humanos, ou enxergando um futuro derrotista para a espécie humana, Kasparov enxergou uma nova possibilidade: o nascimento de um novo jogo de xadrez!
Neste novo jogo, no lugar de dois humanos como oponentes, passamos a ter times formados por um humano e uma máquina.
E assim nasceu o Xadrez Avançado (Advanced Chess, também chamado de Centaur Chess, ou Cyborg Chess).
Em outras palavras, Kasparov não viu o fim do xadrez. Tampouco focou na possibilidade da máquina substituir o ser humano, mas sim colaborando e aumentando suas capacidades. Os objetivos listados para o Advanced Chess eram:
Aumentar o nível do jogo de xadrez a níveis nunca antes vistos
Oferecer ao público uma visão do processo mental de um extraordinário jogador humano de xadrez e um poderoso computador de xadrez e a combinação das suas forças
Mas que ficha foi esta, do tamanho do Maracanã, que caiu para mim? Me dei conta de que entramos oficialmente na era do Humano “aumentado” pela máquina. O futuro não é mais amanhã. O futuro é hoje. Está aqui.
Sou sensível às preocupações com o impacto da substituição do trabalho humano por IA e outras previsões negativas. Temos que dedicar energia para pensar em formas de minimizar estes efeitos negativos, especialmente nas camadas mais vulneráveis da população.
No entanto, assim como Kasparov depois da derrota para o Deep Blue, prefiro focar nas novas possibilidades, nos novos jogos que serão criados através da colaboração Humano-Máquina!
Se você concorda que acabamos de entrar oficialmente na era do Humano aumentado pela máquina, então entende que o uso deste “trinômio” (= LLM + Repositório + Ferramenta de compilação) passou a ser um novo super-poder!
Se você não adquiri-lo, poderá se ver na situação de um enxadrista tradicional que vê do outro lado do tabuleiro um time formado por outro jogador colaborando com uma máquina. Isto é, você já começa o jogo em enorme desvantagem!
Além disto, o uso deste super-poder não se limita a desenvolvedores de tecnologia! Todas as funções de uma empresa passam a poder ser “aumentadas” pela máquina, pela IA.
Não interessa se você atua em finanças, recursos humanos, ou marketing. Se você não tiver este super-poder, poderá entrar em um jogo onde do outro lado do tabuleiro haverá um profissional que o possui.
Este novo super-poder não aumenta somente a produtividade. O mais importante é que ele AUMENTA nossas capacidades!
Podemos ser capazes de evitar erros tolos de desatenção, de fazer coisas que não éramos capazes de fazer antes, como, por exemplo, simplificar em muito testes de hipóteses de negócio e de uso de tecnologia através de MVPs.
Preste atenção: as estruturas das empresas já estão começando a se adaptar a esta nova realidade — mas isto é assunto para outro artigo.
Depois desta leitura, espero sinceramente que você, assim como eu, entenda a importância e esteja super motivado a adquirir este super-poder!
Em mais de 30 anos de carreira, Caique Pegurier passou por posições de liderança, tais como Diretor de Desenvolvimento de Negócios, Diretor de Vendas, VP de Inovação e Negócios, e Presidente de diversas empresas consolidadas. Atuou em diversos setores da economia como Bens de Consumo, High Tech, Meios de Pagamento e Educação. Montou uma Multinacional de tecnologia no Brasil e participou do desenho de uma startup na área de energia, além de co-fundar uma faculdade de empreendedorismo. Adicione o Caíque no LinkedIn.